Serviços de Informações,<br>crise cíclica e doença crónica

Carlos Gonçalves (Membro da Comissão Política)

O Sis­tema de In­for­ma­ções da Re­pú­blica (SIRP) pa­dece de uma do­ença cró­nica, que de­corre da sua des­con­for­mi­dade con­gé­nita e pro­gres­si­va­mente agra­vada com o re­gime de­mo­crá­tico cons­ti­tu­ci­onal, no seu mo­delo, or­gâ­nica, fun­ci­o­na­mento, con­trolo e fis­ca­li­zação. É um mal de­ge­ne­res­cente e ten­den­ci­al­mente in­sa­nável, com surtos in­fec­to­con­ta­gi­osos, que atingem pro­fun­da­mente a pró­pria de­mo­cracia, e crises cí­clicas, como a que es­tamos a viver, e que, no ac­tual quadro, ame­açam tornar o SIRP, a curto prazo, de­mo­cra­ti­ca­mente ir­re­for­mável.

Sis­tema de In­for­ma­ções está à beira de se tornar de­mo­cra­ti­ca­mente ir­re­for­mável

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Esta crise do SIRP ma­ni­festou-se a partir do «caso Bairrão», do pre­su­mível acesso do ga­bi­nete de Passos Co­elho a dados do Ser­viço de In­for­ma­ções de Se­gu­rança (SIS) sobre um ex-fu­turo se­cre­tário de Es­tado e, so­bre­tudo, do «caso Jorge Car­valho» (JC), do trá­fico de in­for­ma­ções do Ser­viço de In­for­ma­ções Es­tra­té­gicas de De­fesa (SIED) para a On­going, ve­ri­fi­cado quando da de­missão e «trans­fe­rência» de JC, vai para um ano, de Di­rector do SIED para os qua­dros da­quela em­presa, e agora res­sus­ci­tado pelo Ex­presso, no de­sen­vol­vi­mento da guerra de in­te­resses em torno da anun­ciada pri­va­ti­zação da RTP.

Como acon­teceu no «caso Fre­e­port», em que nunca foi es­cla­re­cida a in­di­ciada uti­li­zação do SIRP para in­ti­midar a in­ves­ti­gação cri­minal, que punha em causa o pri­meiro-mi­nistro Só­crates, também estes «in­ci­dentes» estão en­vol­vidos nas re­cor­rentes guerras de in­te­resses e lutas pelo poder – in­tes­tinas e entre PS e PSD, ma­ço­na­rias e as­so­ci­a­ções se­cretas, ser­viços de es­pi­o­nagem es­tran­geiros e sec­tores do poder eco­nó­mico. Este é um dado do sis­tema – a sua go­ver­na­men­ta­li­zação e ins­tru­men­ta­li­zação par­ti­dária e a sua ma­ni­pu­lação por po­deres ocultos e ile­gí­timos e di­rec­ta­mente pelos «mer­cados».

 

Ile­ga­li­dade e vazio de fis­ca­li­zação

 

A guerra pelo poder, que agora pre­para a «de­ca­pi­tação» do co­mando do PS no SIRP e a sua subs­ti­tuição por qua­dros do PSD/​CDS, não pode es­ca­mo­tear a «ali­ança es­tra­té­gica» PS/​PSD/​CDS, de mais de trinta e cinco anos, que sempre votou e apoiou a sua des­con­for­mi­dade ao re­gime de­mo­crá­tico. Assim se forjou a fusão pro­gres­siva dos ser­viços e a sua cen­tra­li­zação no se­cre­tário-geral do SIRP, com es­ta­tuto de se­cre­tário de Es­tado ad­junto do pri­meiro-mi­nistro. Os re­sul­tados são uma con­cen­tração de poder, na es­pi­o­nagem e contra-in­for­mação, como nunca houve em Por­tugal, nem no tempo do fas­cismo, e um ins­tru­mento de­ter­mi­nante de im­pu­ni­dade, des­con­trolo, opa­ci­dade e ile­ga­li­dade, como agora mais uma vez se con­firma.

Ao mais alto nível ope­ra­ci­onal não há or­dens ou re­gistos de­mo­crá­tica ou ju­di­ci­al­mente mo­ni­to­ri­zá­veis, há apenas uma regra – o «se­gredo de Es­tado» –, que como ex­plicou em 2005 Rui Pe­reira, ex-di­rector do SIS e então mi­nistro de Ad­mi­nis­tração In­terna do PS, serve até para co­brir todas as es­cutas da es­pi­o­nagem, tão ile­gais como om­ni­pre­sentes (questão de que – já se disse – têm de ser re­ti­radas todas as im­pli­ca­ções na in­ter­venção e luta dos tra­ba­lha­dores e do povo e na acção do Par­tido).

Neste quadro, os in­dí­cios de que JC tra­ficou in­for­ma­ções são, como sempre, to­tal­mente opacos para o Con­selho de Fis­ca­li­zação do SIRP, um «faz de conta» mais ou menos de­co­ra­tivo e inócuo, que se li­mita a as­sinar de cruz o que os su­ces­sivos go­vernos lhe põem à frente. Desta vez, teve co­nhe­ci­mento dos factos apenas quando o pri­meiro-mi­nistro soltou a in­for­mação in­dis­pen­sável para «jus­ti­ficar» a pró­xima ro­tação de qua­dros no SIRP, do PS para o PSD, en­tre­tanto (pro­va­vel­mente) acor­dada na reu­nião com Se­guro, do PS.

 

Os pró­ximos com­bates

 

Mais do que as subs­ti­tui­ções no co­mando do SIRP, o que está co­lo­cado como ob­jec­tivo deste Go­verno, a breve prazo, é a con­clusão da fusão do SIS e SIED, que tem sido im­ple­men­tada pela troika PS/​PSD/​CDS desde 2004. Se e quando avançar, esse facto as­su­mirá uma rup­tura fac­tual com a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica, fun­dindo ile­gi­ti­ma­mente os con­ceitos de de­fesa na­ci­onal e se­gu­rança in­terna, fa­zendo en­trar pela porta das tra­seiras, na ordem in­terna e na ope­ra­ci­o­na­li­dade do SIRP, os con­ceitos USA e NATO de «se­gu­rança na­ci­onal» e «ini­migo in­terno», para fal­si­ficar a «co­ber­tura legal» do seu em­penho no com­bate à «sub­versão» e cri­mi­na­lizar e re­primir a luta dos tra­ba­lha­dores e do povo contra a po­lí­tica de di­reita e de ab­di­cação na­ci­onal.

Es­tamos num mo­mento de­ci­sivo para im­pedir que o SIRP atinja o ponto de não re­torno e re­sulte de­mo­cra­ti­ca­mente ir­re­for­mável. É ne­ces­sário unir todos os de­mo­cratas e pa­tri­otas, nesta com­pre­ensão e luta, e travar os com­bates ina­diá­veis pelo es­cla­re­ci­mento das ile­ga­li­dades co­me­tidas no SIRP pelo PSD/​CDS ou pelo PS, pela sua fis­ca­li­zação efec­tiva e pela ga­rantia da sua con­for­mi­dade à Cons­ti­tuição de Abril – antes que seja tarde!



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